Num ecossistema digital cada vez mais complexo, distribuído e em constante evolução - onde os perímetros tradicionais desapareceram - a crescente complexidade tecnológica e a escalada dos ciberataques exigem novas abordagens de defesa
A Gestão da Superfície de Ataque (ASM – Attack Surface Management) afirma-se como um pilar estratégico das operações modernas de cibersegurança. A crescente adoção da cloud, a proliferação de dispositivos conectados e o desenvolvimento ágil de aplicações contribuíram para expandir a superfície de ataque das organizações, muitas vezes sem total visibilidade por parte das equipas de segurança. Neste contexto, integrar o ASM nas operações de segurança, nomeadamente nos Centros de Operações de Segurança (SOC – Security Operations Center), torna-se crítico para garantir uma postura de segurança proativa e resiliente. A proliferação de ativos digitais, a adoção de ambientes híbridos e complexos e a aceleração da transformação digital exigem uma abordagem contínua, automatizada e orientada ao risco. É neste contexto que as soluções de ASM ganham relevância estratégica. O que é ASM?O ASM é um processo contínuo e proativo de descoberta, inventariação, classificação e monitorização de ativos digitais — internos e externos — com o objetivo de reduzir continuamente os pontos de exposição de uma organização que possam representar potenciais vetores de ataque e que podem ser explorados por agentes maliciosos. Ao contrário de abordagens tradicionais que se focam no perímetro interno da organização, o ASM observa o ecossistema a partir da perspetiva do atacante, analisando o que está visível e explorável do exterior. Esta abordagem oferece uma visão mais realista das vulnerabilidades e pontos fracos, promovendo uma postura de defesa adaptativa e baseada no risco. Categorias da superfície de ataquePara melhor compreender o alcance do ASM, é útil segmentar a superfície de ataque em cinco grandes categorias:
Importa, contudo, salientar que estas categorias não são mutuamente exclusivas — podem existir interseções entre elas, sendo frequente encontrar ativos que se enquadram simultaneamente em mais do que uma. Por exemplo, elementos da categoria digital podem também estar associados a ativos externos ou em ambientes cloud. Vertentes e abordagensExistem duas vertentes principais:
Estas abordagens devem ser integradas com soluções como CSPM (Cloud Security Posture Management), UEM (Unified Endpoint Management) e pipelines de DevSecOps, tirando partido da automação e da interoperabilidade via APIs para promover uma atuação coordenada e eficaz. Benefícios estratégicos e desafios na adoção de soluções de ASMA adoção de soluções de ASM traz uma série de benefícios estratégicos, mas também envolve desafios importantes que devem ser considerados. Entre os principais benefícios estratégicos, destaca-se a visibilidade contínua e abrangente sobre os ativos digitais, incluindo aqueles não inventariados ou geridos fora dos canais oficiais (shadow IT). Esta visibilidade é essencial para manter uma superfície de ataque atualizada e controlada. Adicionalmente, a priorização baseada em risco real permite que as organizações alinhem os esforços de mitigação com o impacto potencial no negócio, ao integrar dados de vulnerabilidades, contexto organizacional e ameaças ativas. Outro ponto forte é a integração com fontes de threat intelligence, que enriquece a análise com informações provenientes da dark web, campanhas de malware em curso e outras fontes externas. Esta capacidade de contextualização é fundamental para uma resposta mais eficaz e informada. Paralelamente, o ASM contribui para a redução da superfície de ataque, ao identificar vulnerabilidades exploráveis e atividades maliciosas como scans automatizados, tentativas de phishing ou uso de credenciais comprometidas. A integração operacional com centros de operações de segurança (SOC) é igualmente relevante, ao alimentar ferramentas como SIEM, SOAR e EDR com dados acionáveis, o que se traduz numa redução dos tempos médios de deteção (MTTD) e de resposta (MTTR). Do ponto de vista regulatório, estas soluções facilitam a conformidade com normativos como o NIS2, ISO 27001, NIST, RGPD entre outros referenciais, ao disponibilizar inventários e relatórios estruturados. Em ambientes de desenvolvimento ágil, o ASM pode ser integrado em pipelines de CI/CD, promovendo uma abordagem de shift-left security, que permite detetar e mitigar riscos ainda antes da publicação de código. Por fim, o ASM é um pilar fundamental no modelo de Continuous Threat Exposure Management (CTEM), apoiando uma gestão contínua e dinâmica da exposição a ameaças. Contudo, a adoção destas soluções não está isenta de desafios. A ocorrência de falsos positivos pode gerar ruído operacional e desviar recursos de incidentes críticos. A complexidade técnica da integração com múltiplas fontes de dados e sistemas existentes exige planeamento e competências especializadas. Além disso, o investimento necessário em ferramentas, formação e recursos humanos pode ser significativo. Importa ainda sublinhar que nenhuma solução garante visibilidade total sobre o ambiente digital, sendo a validação humana um elemento indispensável para assegurar a fiabilidade das análises. Casos de utilização e indicadores de desempenho com soluções de ASMAs soluções de ASM são particularmente valiosas em contextos onde a visibilidade e o controlo sobre os ativos digitais são críticos. Entre os cenários mais comuns de aplicação destacam-se:
Para garantir uma gestão eficaz da superfície de ataque, é essencial acompanhar métricas que traduzam o progresso e a eficácia das ações implementadas. Alguns dos KPIs mais relevantes incluem:
Nível de maturidade recomendado para adoção de ASMA adoção de soluções de ASM deve ser encarada como uma etapa avançada na jornada de maturidade em cibersegurança. Embora os benefícios do ASM sejam significativos, a sua eficácia depende da existência de uma base sólida de processos, ferramentas e integração organizacional. Idealmente, uma organização deverá considerar a implementação de ASM quando já tiver atingido um nível de maturidade que inclua:
Organizações que se encontram em fases iniciais de maturidade devem, antes de investir em ASM, concentrar-se na consolidação destas fundações. Sem uma base minimamente estruturada, o ASM poderá gerar um volume elevado de dados sem capacidade de resposta adequada, comprometendo o retorno do investimento e a eficácia operacional. Assim, o ASM deve ser visto como um acelerador de maturidade, mas não como um ponto de partida. A sua adoção deve ser estratégica, alinhada com a capacidade da organização para interpretar, integrar e agir sobre os dados que estas soluções disponibilizam. ASM vs Security Ratings: abordagens complementares com finalidades distintasEmbora frequentemente mencionadas no mesmo contexto, as soluções de ASM e as Security Ratings têm naturezas e propósitos distintos. Ambas podem coexistir numa estratégia de cibersegurança abrangente, mas é fundamental compreender as suas diferenças para uma aplicação eficaz e alinhada com os objetivos da organização.
Enquanto o ASM é focado na visibilidade ativa e operacional da superfície de ataque da própria organização, permitindo ações corretivas imediatas, as Security Ratings oferecem uma perspetiva externa e reputacional, útil para avaliar o risco de terceiros ou para fins de benchmarking no mercado. A integração de ambas as abordagens pode potenciar uma visão mais holística da postura de segurança, combinando ação tática com visão estratégica. ConclusãoA Gestão da Superfície de Ataque representa uma mudança de paradigma na cibersegurança moderna. Ao adotar a perspetiva do atacante, permite uma visibilidade realista e acionável, reforçando a postura defensiva com base em contexto, risco e automação. O ASM não é apenas um mapa técnico, mas um sistema adaptativo de defesa com impacto direto na resiliência operacional e continuidade do negócio. Para os decisores executivos, o ASM é uma ferramenta essencial para comunicar risco em linguagem de negócio, justificar investimentos e posicionar a cibersegurança como um fator de competitividade, confiança e alavanca estratégica. Num cenário digital em constante evolução, investir em ASM é investir na capacidade de antecipar, adaptar e resistir. |
Ivo Rosa
Membro
CIIWA
Ivo Rosa é especialista em segurança da informação e cibersegurança, com mais de 15 anos de experiência no sector. Membro da CIIWA, tem-se dedicado especialmente às operações de segurança, com particular interesse na área de threat intelligence
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