Opinion
A Inteligência Artificial Generativa (GenAI) já não é uma promessa distante, destacada em Quadrantes Mágicos e relatórios de consultores — é uma realidade integrada no quotidiano de muitas organizações
Por Henrique Carreiro . 02/06/2025
Estas plataformas capazes de gerar texto, imagens ou código a partir de dados estruturados ou não estruturados estão a redefinir os processos e a eficiência empresarial e, inevitavelmente, a introduzir novos riscos. O ritmo de adoção destas ferramentas contrasta de forma alarmante com a maturidade dos mecanismos de segurança que as deveriam proteger. E é aqui que reside o verdadeiro desafio. Ao contrário dos sistemas tradicionais, os modelos GenAI operam frequentemente — e irão fazê-lo cada vez mais — sobre dados pouco ou nada tratados, nomeadamente os que residem em pastas partilhadas nos portais internos das organizações, pouco padronizados e frequentemente sensíveis, criando um território de vulnerabilidades único. Esta natureza volátil abre a porta a ameaças específicas: ataques por envenenamento de dados de treino (data poisoning), inversão de modelos para extrair informação confidencial, roubo de modelos proprietários, exploração de vulnerabilidades nos pipelines de dados, e manipulação maliciosa de inputs para forçar respostas incorretas. O resultado é um panorama de risco que transcendeu a complexidade para atingir um estatuto crítico. A segurança em GenAI não pode depender de políticas reativas ou de soluções convencionais aplicadas por analogia. É imperativo reconfigurar fundamentalmente a abordagem ao risco, começando pela visibilidade total: saber exatamente que ferramentas GenAI estão a ser utilizadas na organização, por quem, com que dados e para que finalidades. Esta transparência exige a erradicação do shadow AI — o uso não autorizado de ferramentas de IA generativa — através da construção de um inventário dinâmico de ativos (AI-BOM, Bill of Materials), complementado por controlos rigorosos de acesso às plataformas autorizadas e bloqueio ativo das restantes. Os pilares da nova arquiteturaA proteção eficaz começa na salvaguarda dos dados. Nenhum sistema GenAI deveria aceder a informação sensível sem passar por processos rigorosos de validação. Esta proteção materializa-se através de cifre robusta em trânsito e em repouso, classificação sistemática dos dados segundo a sua criticidade, implementação de políticas avançadas de prevenção de perda de dados e auditorias periódicas e automatizadas aos acessos efetivos. A máxima permanece inalterável: a segurança de um modelo espelha, em larga medida, a robustez dos dados que o sustentam. Igualmente crítico é o controlo rigoroso do acesso aos próprios modelos. Definir quem pode aceder, treinar, modificar ou consultar um modelo GenAI constitui um ponto nevrálgico que deve estar ancorado em princípios de privilégio mínimo. Isto traduz- se na implementação de autenticação multifator obrigatória, limitação inteligente de chamadas à API, gestão granular e auditável de permissões, bem como revisão periódica de direitos de acesso. A ausência de controlo rigoroso nesta camada não só permite o uso indevido como compromete a integridade de todo o ecossistema. Paralelamente, importa explorar e maximizar os mecanismos de defesa que os próprios modelos oferecem. Muitos LLM modernos disponibilizam filtros de conteúdo integrados, limites de aleatoriedade ajustáveis e sistemas nativos de deteção de abuso. Ignorar estas funcionalidades equivale a renunciar a uma linha de defesa consolidada, desperdiçando recursos já integrados no próprio sistema. A verdadeira maturidade em segurança manifesta- se, contudo, na capacidade de antecipação. Identificar vetores de ataque antes de serem explorados — analisando permissões excessivas, exposições de rede, configurações deficientes ou acessos anómalos — permite fechar vulnerabilidades de forma proativa. De forma complementar, a monitorização contínua deve ser capaz de detetar anomalias comportamentais, variações súbitas de desempenho ou padrões de acesso suspeitos, garantindo que nenhum incidente se instala silenciosamente no sistema. Uma estratégia verdadeiramente robusta exige ainda um plano de resposta a incidentes específico para IA, perfeitamente integrado nas ferramentas de segurança operacional existentes. Este plano deve contemplar o isolamento rápido de sistemas comprometidos, o restauro eficiente de estados anteriores, a comunicação clara e coordenada entre todas as equipas envolvidas, bem como a documentação e análise forense detalhada de cada ocorrência. Em cenários de crise, a celeridade da resposta determinará frequentemente a diferença entre a contenção e o colapso. Confrontamo-nos com uma reconfiguração paradigmática. A GenAI apresenta oportunidades extraordinárias, mas estas só se concretizarão plenamente se sustentadas por uma arquitetura de segurança pensada desde o início para dominar a sua complexidade intrínseca. A proteção eficaz da GenAI transcende a implementação técnica — exige uma nova filosofia de cibersegurança, onde a antecipação substitui a reação, onde a visibilidade precede o controlo, e onde a preparação determina a resiliência. O futuro da segurança empresarial começa hoje, pela plena perceção dos riscos que nos aguardam. |