Opinion
No dia 3 de julho o governo português aprovou em Conselho de Ministros, o novo regime jurídico de cibersegurança, que terá ainda de passar na Assembleia da República. Este novo regime reflete a passagem da diretiva europeia NIS2 (Network and Information Security Directive) a legislação nacional
Por Vítor Sinceridades, Senior Consultant em Cibersegurança na Minsait Cyber em Portugal (Indra Group) . 29/07/2025
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A Diretiva NIS2 representa um novo paradigma na abordagem à cibersegurança no espaço europeu. Ao exigir que as organizações, consideradas essenciais e importantes, adotem medidas técnicas e organizativas robustas, a NIS2 vai além da conformidade documental e aponta para um objetivo mais ambicioso: promover uma cultura de cibersegurança. Ao contrário do que muitos pensam, este não é um tema meramente tecnológico, uma questão de segurança aos ombros das Tecnologias de Informação (TI), mas passa a ser um verdadeiro tema de Governance que envolve toda a organização. A implementação da NIS2 potencia a competitividade das empresas abrangidas por este normativo, visto tornarem-nas mais resilientes a incidentes de segurança de informação, reduzindo o impacto nos seus processos de negócio, tornando-se “apetecíveis” no momento da escolha dos parceiros de negócio. O verdadeiro impacto da NIS2 é o reforço da resiliência do ecossistema digital a nível europeu. A NIS2 atribui três grandes obrigações concretas à gestão de topo (Administração): aprovar medidas de gestão de risco (deliberar e aprovar formalmente as políticas e planos de cibersegurança); monitorizar a implementação (acompanhar a execução das medidas, avaliar relatórios, e verificar a eficácia das medidas implementadas) e formação (a gestão de topo deve promover e receber formação continua sobre os temas associados à cibersegurança). Assim, a gestão de topo passa a ser diretamente responsável, legal e operacionalmente, pela resiliência digital da organização. A Diretiva contempla a possibilidade da aplicação de sanções administrativas e financeiras face o incumprimento desta obrigação. A realidade, porém, é que muitas organizações ainda veem a NIS2 como uma checklist legal e não como uma mudança estrutural que envolve questões como a competitividade e as eventuais penalizações. Há um risco real de se criar uma geração de empresas em linha com os requisitos, mas sem as reais alterações comportamentais que permitam cumprir o objetivo do normativo: criar resiliência cibernética de forma homogénea. Por outro lado, se adequadamente implementada, a NIS2 pode tornar-se um verdadeiro catalisador de maturidade digital dentro das organizações. É uma oportunidade para consolidar práticas de cibersegurança, integrar a gestão de risco no processo de tomada de decisão estratégica e reforçar a colaboração entre áreas críticas como a gestão de topo, compliance, operações e TI. Trata-se de promover uma abordagem mais estruturada, integrada e proativa à resiliência digital. A implementação da NIS2 apresenta desafios que possuem um custo real e por vezes invisível: a tecnologia que responda às necessidades da organização, os processos que sejam descritos de acordo com a realidade organizacional acompanhados de uma monitorização contínua, sendo a formação imprescindível para que toda a organização se mantenha conforme e cumpra o definido pela gestão de topo. Para grandes empresas, esse custo pode ser absorvido como parte do investimento em confiança e reputação. Para algumas PMEs pode traduzir-se numa carga desproporcionada, potencialmente penalizadora da competitividade. É legítimo questionar se a diretiva não poderá, na prática, acentuar algumas desigualdades no mercado e aumentar a burocratização dos processos. Uma abordagem excessivamente documental, centrada em processos rígidos, pode desviar a atenção da realidade operacional e tecnológica. A segurança eficaz exige agilidade, adaptação e sentido crítico. A ilusão de segurança por conformidade é um dos maiores perigos da era digital. Apesar disso, pouco se fala sobre o lado positivo (que existe!): a conformidade com a NIS2 pode tornar-se um fator diferenciador. Num mercado cada vez mais atento à confiança e à transparência digital, cumprir a NIS2 pode abrir portas — quer seja para conquistar novos clientes, atrair investimento ou qualificar para contratos públicos e privados de maior exigência. Acredito que a NIS2 não deve ser encarada como mais uma norma a cumprir, mas como uma oportunidade estratégica de transformação profunda — uma ocasião para repensar a organização à luz das exigências de um mundo digital cada vez mais desafiante. É uma chamada à ação para líderes, não apenas para técnicos de TI, e o seu impacto dependerá da coragem com que as organizações escolhem responder-lhe. A NIS2 não é apenas mais uma norma europeia — é um verdadeiro teste à visão e coragem das organizações. Num cenário digital cada vez mais hostil, continuar a tratar a cibersegurança como um tema técnico é ficar para trás. Esta diretiva exige liderança, estratégia e ação informada. Com a abordagem certa, pode tornar-se numa alavanca para inovação e resiliência. |