Opinion
A guerra moderna já não se combate apenas com tanques, mísseis e soldados no terreno. Inevitavelmente, as batalhas também se desenrolam nos ecrãs, nos algoritmos e nas narrativas
Por Bruno Castro, Fundador & CEO da VisionWare. Especialista em Cibersegurança e Análise Forense . 19/08/2025
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A ciberguerra tornou-se um dos principais fenómenos de confronto entre nações, e a forma como as histórias são contadas, percebidas e manipuladas são agora tão relevantes como a capacidade de realizar um ciberataque. Neste novo cenário, o storytelling e as novas tecnologias emergentes estão a redefinir a estratégia militar e política no espaço digital. O storytelling, ou a arte de contar histórias, sempre foi uma ferramenta poderosa na política e na guerra. Mas, com o advento da Internet, das redes sociais e da inteligência artificial, a velocidade e o alcance das narrativas multiplicaram-se exponencialmente. Um vídeo manipulado, uma imagem falsa ou uma história emocionalmente apelativa pode ser suficiente para influenciar a opinião pública, desmoralizar o inimigo ou justificar uma ação militar. Na ciberguerra contemporânea, as narrativas tornaram-se armas psicológicas, usadas para desinformar, confundir ou manipular adversários e audiências civis. Plataformas como o Twitter, Telegram, TikTok ou Facebook, são simultaneamente campos de batalha e veículos de propaganda. Num conflito, quem controla a narrativa tem, muitas vezes, vantagem estratégica. Paralelamente ao poder das histórias, as novas tecnologias estão a expandir as capacidades de engano e manipulação digital. A inteligência artificial (IA) permite criar conteúdos falsos altamente credíveis, desde deepfakes até bots que interagem com humanos de forma convincente. Estas ferramentas podem ser utilizadas para fomentar a desconfiança, semear o caos ou imitar líderes e figuras públicas, desencadeando reações reais baseadas em mentiras digitais. Além disso, a IA também permite analisar perfis e comportamentos online, possibilitando campanhas de desinformação dirigidas de forma precisa (microtargeting). O adversário pode, por exemplo, saber qual é o tipo de conteúdo que mais facilmente influencia um determinado grupo ou até um indivíduo específico, tornando o storytelling militar ainda mais eficaz. A computação quântica, ainda em desenvolvimento, promete ampliar radicalmente estas capacidades, ao permitir quebrar sistemas de encriptação ou criar métodos de comunicação virtualmente indetetáveis. Além disso, o uso de sensores comerciais e redes civis permite recolher dados sobre populações inteiras, que podem ser cruzados com narrativas adaptadas à realidade local. A combinação de storytelling com tecnologias digitais deu origem a uma nova abordagem à guerra: a guerra cognitiva. Este conceito vai além da simples manipulação de dados ou sistemas informáticos, já que visa influenciar diretamente o modo como as pessoas percebem a realidade. Ao controlar o fluxo de informação e os enquadramentos narrativos, é possível fazer com que uma sociedade aceite (ou rejeite) uma guerra antes mesmo de um tiro ser disparado. Países como a Rússia e a China já incluem estratégias de desinformação como parte integrante das suas doutrinas militares. Recorrem a tecnologias avançadas para difundir histórias cuidadosamente fabricadas, explorando divisões internas, desacreditando instituições democráticas e ampliando o impacto de campanhas de hacking. O Ocidente reconhece a importância destas novas formas de conflito, contudo, de acordo com os especialistas, ainda está atrasado em termos do reconhecimento do peso destas “novas” formas de influência. Enquanto países como a Rússia consideram o engano digital uma prioridade estratégica, muitas democracias continuam a encarar a desinformação como um fenómeno marginal ou exclusivamente civil. Para equilibrar o campo de batalha digital, é fundamental que os países ocidentais invistam em literacia mediática, e que a formação militar seja adaptada à era digital e ao desenvolvimento de sistemas de deteção de narrativas hostis. Em simultâneo, é crucial preservar os valores democráticos e a liberdade de expressão, para evitar que a luta contra a desinformação se transforme numa nova forma de censura. A ciberguerra do século XXI não se define apenas por códigos, vírus ou sistemas informáticos. Define-se também pelas histórias que se contam e pelas emoções que despertam. O storytelling, quando potenciado por tecnologias emergentes como IA, computação quântica e redes sociais, torna-se numa arma poderosa – invisível, silenciosa, mas profundamente eficaz. Ignorar este novo campo de batalha é arriscar perder guerras sem sequer as ver começar. |